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Alegoria da Caverna (A República, Platão) |
Quando o obscurantismo
da fé dominava as mentes, levando-as ao fanatismo desestruturador da
dignidade e do comportamento; quando a cultura, enlouquecida pelas suas
conquistas no campo da ciência de laboratório, proclamava a desnecessidade de
qualquer preocupação com Deus e com a alma, face à fragilidade com que se
apresentavam no proscênio do mundo; quando a filosofia divagava pelas
múltiplas escolas do pensamento, cada qual mais arrebatadora e irresponsável,
inculcando-se como portadora da verdade que liberta o ser humano de todos os
atavismos e limitações; quando a arte rompia as ligações com o clássico, o
romântico e a beleza convencional, para expressar-se em formulações
modernistas, impressionistas, abstracionistas, traduzindo, ora a angústia da
sua geração remanescente dos atavismos e limitações do passado, ora a
ansiedade por diferentes paradigmas de afirmação da realidade; quando se
tornavam necessários diversos comportamentos sociais e políticos para
amenizar a desgraça moral e econômica que avassalava a Humanidade; quando a
religião perdia o controle sobre as consciências e tentava rearticular-se
para prosseguir com os métodos medievais ultramontanos e insuportáveis;
quando as luzes e as sombras se alternavam na civilização, surgiu o
Espiritismo com a sua razão de ser para promover o homem e a mulher, a vida e
a imortalidade, o amor e o bem a níveis dantes jamais alcançados.
Realizando uma
revolução silenciosa como poucas jamais ocorridas na História, tornou-se
poderosa alavanca para o soerguimento do ser humano, retirando-o do caos do
materialismo a que se arrojara ou fora atirado sem a menor consideração, para
que adquirisse a dignidade ética e cultural, fundamentada na identificação
dos valores morais, indispensável para a identificação dos objetivos
essenciais e insuperáveis da paz interna e da consciência de si mesmo durante
o trânsito corporal.
Logo depois, no Collège
de France, proclamando serJesus um homem incomparável, no seu
memorável discurso, o acadêmico e imortal Ernesto Renan confirmava, a seu
turno, embora sem qualquer contato com a Doutrina nascente, a humanidade do
Rabi galileu, rompendo a tradição dogmática do Homem Deus ou
do ancestral Deus feito homem.
Sob a ação do escopro
inexorável das informações de além-túmulo, o decantado repouso ou punição
eterna, o arbitrário julgamento mais punitivo que justiceiro, cediam lugar à
consciência da vida exuberante que prossegue morte afora impondo a cada qual
a responsabilidade pela conduta mantida durante a trajetória encerrada.
As narrações da
sobrevivência tocadas pela legitimidade dos fatos, fundamentadas na lógica da
indestrutibilidade do ser espiritual, davam colorido diferente às paisagens
da Eternidade, diluindo as fantasias e mitos que as adornaram por diversos
milênios.
Permitiu que o ser
humano se redescobrisse como Espírito imortal que é, preexistente ao berço e
sobrevivente ao túmulo, facultando-lhe compreender a finalidade existencial,
que é imergir no oceano do inconsciente, onde dormem os atos pretéritos e as
construções que projetam diretrizes para o momento e o futuro, a fim de
diluir as volumosas barreiras de sombra e de crueldade a que se entregou e
que lhe obnubila a compreensão da sua realidade, emergindo em triunfo, para
que lobrigue a imarcescível luz da verdade que o há de conduzir pelos
infinitos roteiros do porvir.
Intoxicado pelos
vapores da organização fisiológica, mergulhado em sombras que lhe impedem o
discernimento, vagando pelos dédalos intérminos da busca da realidade,
somente ao preço da fé raciocinada e lógica, portadora dos instrumentos que
se derivam dos fatos constatados, o homem e a mulher podem avançar com
destemor pelas trilhas dos sofrimentos inevitáveis, que são inerentes à sua
condição de humanidade, vislumbrando níveis mais nobres que devem ser
conquistados.
O Espiritismo traçou
novos programas para a compreensão da vida e a mais eficaz maneira de
enfrentá-la, desafiando o materialismo no seu reduto e os materialistas no
seu cepticismo, oferecendo-lhes mais seguras propostas de comportamento para
a felicidade ante as vicissitudes do processo existencial.
Não se compadecendo da
presunção dos vazios de sentimento e soberbos de conhecimentos em ebulição de
ideias, demonstrou a sua força arrastando desesperados que foram confortados,
violentos que se acalmaram, alucinados que recuperaram a razão, delinquentes
que volveram ao culto do dever, perversos que se transformaram, ateus que
fizeram as pazes com Deus, ingratos que se reabilitaram perante os seus
benfeitores, miseráveis morais que se enriqueceram de esperança e de alegria
de viver, construindo juntos o mundo de bem-estar por todos anelado.
O Espiritismo trouxe a
perfeita mensagem da justiça divina, por enquanto mal traduzida pela
consciência humana, contribuindo para a transformação da sociedade, mas sem a
revolução sangrenta das paixões em predomínio, que sempre impõe uma classe
poderosa sobre as outras que são debilitadas à medida que vão sendo
extorquidos os seus parcos recursos até a exaustão das suas forças, quando
novas revoluções do mesmo gênero explodem, produzindo desgraça e ódios que
nunca terminam...
Trabalhando a
transformação moral do indivíduo, propõe-lhe o comportamento solidário e
fraternal, a aplicação da justiça corretiva e reeducativa quando delinqui,
conscientizando-o de que as suas ações serão também os seus juízes e que não
fugirá de si mesmo onde quer que vá.
Todo esse contributo
moral foi retirado do Evangelho de Jesus, especialmente do Seu Sermão
da montanha, no qual reformulou os valores humanos até então aceitos,
demonstrando que forte não é o vencedor de fora, mas aquele que vence a si
mesmo, e poderoso, no seu sentido profundo, não é aquele que mata corpos, mas
não é capaz de evitar a própria morte.
Revolucionando o
pensamento ético e abrindo espaço para novo comportamento filosófico, a Sua
palavra vibrante e a Sua vivência inigualável, colocaram as pedras básicas
para o Espiritismo no futuro alicerçar, conforme ocorreu, os seus postulados
morais através da ética do amor sob qualquer ponto de vista considerado.
Nos acampamentos de
lutas que se estabeleciam no Século XIX, quando a ciência e a razão
enfrentavam a fé cega e a prepotência das Academias e dos
seus membros fascinados como Narciso por si mesmo, o Espiritismo surgiu como
débil claridade na noite das ambições perturbadoras e lentamente se afirmou
como amanhecer de um novo dia para a Humanidade já cansada de aberrações de
conduta como fugas da realidade e sonhos de poder transitório, transformados
em pesadelos de guerras infames, cujas sequelas ainda se demoram trucidando
vidas e dilacerando sentimentos.
A razão de ser do
Espiritismo encontra-se na sua estrutura doutrinária, diversificada nos seus
aspectos de investigação científica ao lado das demais correntes da ciência,
do comportamento filosófico com a sua escola otimista e realista para o
enfrentamento do ser consigo mesmo e da vivência ético-moral-religiosa que se
estrutura em Deus, na imortalidade, na justiça divina, na oração, na ação do
bem e sobretudo do amor, única psicoterapia preventiva-curativa à disposição
da Humanidade atual e do futuro.
Victor Hugo
Psicografia
de Divaldo Pereira Franco, no dia 7 de junho de 2001, em Paris, França.
Publicado
no Jornal Mundo Espírita de novembro de 2001.
Em
16.01.2012.
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